Não há, em minha opinião, melhor prefácio para um Frasco de Veneno – mesmo que já na sua 4ª dose, do que algumas reflexões sobre a liberdade de expressão do pensamento. Compreender e apreender a essência desse direito fundamental (porque fundante do próprio conceito de pessoa humana) é, pois, o objetivo central do que se segue.

A liberdade de expressão é a rainha-mãe das liberdades, é o valor supremo do estado de direito democrático. Enquanto direito fundamental, ela tem quatro dimensões estruturais: a liberdade para criticarmos aquilo com que não concordamos, a liberdade para divulgarmos factos (agradáveis ou desagradáveis, cómodos ou incómodos para outras pessoas) que consideramos de interesse público, a liberdade de elogiarmos aquilo de que gostamos e, finalmente, a liberdade de ficarmos calados – ou porque a realidade nos é indiferente ou porque, simplesmente, não queremos falar. É aquilo a que num sentido algo semelhante, os anglo-saxónicos designam como “the right to be alone” ou o que o poeta alemão Wolfgang Bachler, num lindo poema intitulado «Fuga», chamava “a liberdade do silêncio”.

É, pois, o necessário reafirmar, sempre, sem hesitações, os benefícios da liberdade de expressão através da qual se realizam alguns dos mais relevantes princípios do estado de direito democrático.

Através do seu exercício fortalecem-se os contributos individuais para a realização dos grandes projetos coletivos, ao mesmo tempo que se reforça o do respeito pela dignidade da pessoa humana. O estado de direito e a democracia viverão sempre melhor com os incómodos dos excessos da liberdade do que com os benefícios das suas restrições.

Tentar compreender as causas ou as consequências de certos factos ou acontecimentos de interesse público ou simplesmente divulgar esses factos, torna-se uma tarefa arriscada desde que tal seja susceptível de incomodar certas pessoas ou ameaçar os interesses de algumas corporações que se consideram acima do escrutínio democrático. Em muitos casos, parece mesmo que o paradigma autoritário da ditadura cristalizou no subconsciente colectivo de onde irrompe sempre que alguém ousa cometer a audácia de exprimir o seu pensamento com liberdade.

Estabeleceu-se que há coisas que não se podem dizer, não porque sejam falsas, mas, exatamente, porque são verdadeiras. Ou seja, quer-se proibir a verdade em nome de aparências, de moralismos, de conveniências ou de certos interesses particulares.

Já se chegou mesmo ao ponto de querer impor o silêncio a certas categorias de pessoas unicamente para salvar a face de certos poderes.

A liberdade de expressão do pensamento é, pois, também neste sentido, o mais sagrado direito de todo o ser humano. Ela não é apenas a rainha-mãe das liberdades, ela é, verdadeiramente, o eixo em torno do qual gira a grande roda da democracia, do estado de direito e da dignidade da pessoa humana.

António Marinho e Pinto

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